Pular para o conteúdo principal

As flores voltaram e ela também

Um miniconto sobre pausas, delicadezas e recomeços.

Fotografia: Luísa Nogueira
As flores recolhidas do chão voltaram à vida 

Às vezes, tudo o que precisamos é de um copo d’água, 

algumas flores caídas… e uma pausa para voltar a nós mesmos.

As flores voltaram - ela também

Um gesto simples. Um copo com água.
Duas flores

Ela recolheu as flores como quem recolhe lembranças.
Era fim de tarde e a cidade, entre poeira e silêncio, se preparava para mais uma noite seca.

Passou embaixo de um ipê amarelo, um dos últimos da temporada.
No chão, um amontoado de pétalas. Muitas já murchas, outras desbotadas.

Pensou em passar direto - “são só flores”, disse, quase alto.
Mas seus pés pararam.
E suas mãos, delicadamente, escolheram duas entre tantas.

Levou-as para casa sem saber por quê.
Pegou um copo - um daqueles simples, de vidro fosco - encheu de água e mergulhou as flores como se estivesse pedindo desculpas pelo atraso.

Deixou o copo na mesa. Foi fazer outra coisa.
Esqueceu.

Na manhã seguinte, algo mudou.
As flores estavam mais abertas.
Não era uma mudança gritante - era como se, discretamente, tivessem voltado à vida.

Ela se aproximou, surpresa.
Havia cor.
Havia forma.
Havia, estranhamente, uma espécie de presença.

Naquele instante, lembrou-se da amiga que não via há anos.
Do amigo que partiu sem aviso.
Das palavras que nunca disse.
E também de tudo que deixara murchar dentro de si - promessas, alegrias, desejos.
Pensou: Será que também posso voltar?

Pegou um segundo copo.
Encheu de água.
E, sem pressa, sentou-se à mesa.
Pela primeira vez em muito tempo, quis cuidar de alguma coisa - mesmo que fosse dela mesma.

Não sabia se aquele gesto era rotina ou ritual.
Mas havia, em tudo, uma intenção silenciosa.

O segundo copo não era para outra flor.
Era para si.
Como se, ao lado da delicadeza salva, ela também precisasse de uma nova chance.

Observou as flores - frágeis, sim, mas ainda inteiras.
E se deu conta de que estava fazendo algo simples, mas raro: estava cuidando.
Sem pressa, sem função prática, sem expectativa.

Quis permanecer ali.
Apoiou os cotovelos na madeira, sentiu o frescor da água nas mãos, o tempo correndo devagar ao seu redor.
Por dentro, alguma coisa também se aquietava.

Era como se dissesse a si mesma:
"Eu estou aqui."
E isso bastava.

Ali, no silêncio da manhã, entre um copo e outro, entre uma flor e outra, ela entendeu:
às vezes a vida não precisa de muito para florescer de novo.
Só precisa de um pouco de tempo.
E um lugar para recomeçar.

Mais tarde, ao sair de casa, passou novamente pelo ipê. As flores que ontem haviam caído já não estavam lá. Outras, mais recentes, agora começavam seu voo em queda.

Ela pensou em parar - talvez recolher mais algumas. Mas não. Dessa vez, apenas olhou.
E seguiu adiante, com algo leve entre as mãos.

Talvez fosse o vento.
Talvez fosse ela mesma, começando a florescer de novo.

Fotografia: Luísa Nogueira
"As flores que ontem haviam caído já não estavam
 lá. Outras, mais recentes, agora começavam
seu voo em queda." (Do conto As flores voltaram e ela também,
de Luísa Nogueira)


Fotografia: Luísa Nogueira
"Na manhã seguinte, algo mudou.
As flores estavam mais abertas.
Não era uma mudança gritante - era como se,
discretamente, tivessem voltado à vida."
(
Do conto As flores voltaram e
ela também)



Fotos de Luísa Nogueira
"Passou embaixo de um ipê amarelo, um dos últimos
da temporada. 
No chão, um amontoado de pétalas.
Muitas já murchas, outras desbotadas."
(
Do conto As flores voltaram e ela também)

Fotografia: Luísa Nogueira - fotos publicadas em 2017. 

------------


Acompanhe este blog e nossas redes sociais.


Instagram: @luisanogueiraautora

Para acessar minha página no Instagram, aponte a câmera de seu celular para a tag de nome abaixo:



















Facebook: Luísa Nogueira 


Pinterest: Luísa Nogueira 


#naturezaemfotosluisan 


-----------


Este blog foi criado com vias direcionadas ao meio ambiente (natureza, sustentabilidade, vida) e desde sua criação citamos e falamos sobre livros. Confira e navegue entre os posts das principais vias:



--------

 

Confira também a página Livros de Luísa Nogueira








Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Via Verde: Pequena, Vermelha e Adocicada: Que fruta é essa?

Galhos com frutos maduros e amadurecendo. Há alguns anos compramos uma muda de uma planta que diziam ser jambo. A plantinha foi crescendo e cada vez ficando mais diferente de um jambeiro. Quando começou a frutificar vimos que era uma fruta que não conhecíamos. O pior é que ninguém da vizinhança conhecia. É pequena, tem mais ou menos um quarto do tamanho de um jambo, vermelha e adocicada, quando madura. Você sabe que frutinha é essa? Árvore com tronco e galhos finos. Formato das folhas e frutinhas amadurecendo. Que fruta é essa?  Retiramos a pele de uma delas para mostrar a polpa. A pele é bem fininha... Cada uma das frutinhas possui duas sementes, parecendo uma semente dividida. Duas frutinhas ao lado de um jambo. Essa  foto foi feita ontem, domingo, após a colheita. ----------------------------

Via Verde: As Três Cores do Flamboyant, a Musa das Árvores

Flamboyant vermelho - Apesar desse flamboyant ser uma árvore nova, sua copa dá uma grande e gostosa sombra.  Minha filha, durante uma caminhada, passando sob o flamboyant. Beleza da copa florida Folhas, botões e flores do flamboyant  Flamboyant enfeitando o jardim do Tribunal de Justiça, em Brasília.  Flamboyant, espelho d'água e fachada do TJ.  Flores e galhos retorcidos do flamboyant. Flores do flamboyant - Veja, logo abaixo, esta foto em uma tomada mais próxima. Sempre quis clicar as flores de um flamboyant bem de perto. Não são belas? Flamboyant alaranjado - Três ou quatro árvores dando as boas vindas na entrada de uma lanchonete, na rodovia que liga Goiânia a Brasília ( Lanchonete Jerivá ). Flamboyants do Jerivá Flamboyant amarelo - Este está em Brasília, logo depois da Ponte das Garças - conhecida como 'a ponte do (Conjunto Comercial) Gilberto Salomão', no sentid...

Via Verde: Folha Santa - I

Flores fechadas e folhas da folha-santa. Ao fundo, um muro recoberto com a planta unha-de-gato. O que mais amo nessa planta, a folha-santa, além da beleza de suas folhas, são suas flores (são flores?). No início, antes de abrirem, parecem cápsulas que, ainda verdes, podem ser 'pipocadas', pois, ao apertá-las, emitem um ligeiro som de estouro. As fotos de hoje são de cachos de suas flores ainda amadurecendo. Vou, numa segunda etapa, mostrar também suas flores já abertas e, depois, a reprodução através, apenas, de uma folha.  Flor es fechadas da planta folha-santa. Ao fundo: Agave Cachos de uma planta da família das crassuláceas - Folha-santa. Ao fundo: Agave, dracena e palmeira açaí. Folha-santa ( Bryophyllum calycinum ). Família das crassuláceas. Sua reprodução é bem fácil: de qualquer pedaço de algum galho podem nascer várias mudas. Uma só muda em pouco tempo transforma-se em uma moita.  É uma planta medicinal. ...

Via Verde: Bromélias: Inocentes ou Culpadas? - V: A Pesquisa Coletiva e sua Conclusão

Com o título Bromélias: Inocentes ou Culpadas? vimos e discutimos opiniões diversas, vindas de diferentes regiões do Brasil. Nossa roda de amigos, através de comentários e envio de fotos e textos, participou de uma pesquisa-debate envolvendo uma das mais belas flores brasileiras. Ganhamos todos nós! Ficamos com um maior conhecimento sobre essa planta da família  bromeliaceae; tivemos mais informações sobre a rica diversidade do meio ambiente em que vivemos e ganhamos também conhecendo um pouco mais sobre a vida que entrelaça fauna e flora, tão sabiamente criada e desenvolvida em nossas matas e florestas. 1- Nossas belas são inocentes ou culpadas? Antes de qualquer conclusão, vamos ver um pouco mais sobre as bromélias. Sugerimos também a leitura de alguns artigos sobre o mosquito Aedes Aegypti, transmisssor (vetor) da dengue.Vamos lá? 1.1- Bromélia, gravatá, carandá, caravatá, caraguatá, caraguá, carauatá, carauá e croata, são o...

Via Verde: Folhagens no Outono Brasileiro

Folhagens Caládio Nomes populares: Caládio e tinhorão, entre outros; nome científico:   Caladium bicolor .  Família  das aráceas. Costela-de-adão Nomes populares: Costela-de-adão, monstera, banana-de-mato,  abacaxi-do-reino,  ceriman;  nome científico: Monstera deliciosa . Família das aráceas. A flora nativa do Brasil é rica e diversificada. São plantas com flores e folhagens de cores que passam por todos os tons do arco-íris e de  formas e tamanhos os mais diversos. Em relação às folhagens, há com folhas gigantes, grandes, médias, pequenas e minúsculas. Essas destas fotos são algumas que consegui, aqui e ali, fotografar. Tenho mais fotos. Logo que consiga  identificá-las, deixarei por aqui. ... Cróton Cróton - É um arbusto que pode atingir de 2 a 3 metros de altura. Nome científico: Codiaeum variegatum . Família das euforbiáceas. Dracena (Veja mais sobre dracenas, neste blog, no post 'Dracena fragans, a Bela da T...

Via Verde: Limão Imperial

Como aquela frutinha chamada Noni* que encontramos em Goiânia, o limão imperial , para mim, também é uma novidade. Vi essa muda das fotos em um viveiro de Brasília. Só souberam me informar sobre seu nome. Nada encontrei também nas pesquisas que fiz via Google. O fruto parece uma pequena laranja, porém rajado, como suas folhas. Havia algumas pequenas flores, mas elas não estão bem visíveis nessas imagens. As fotos foram feitas em um horário inapropriado para fotografia. Infelizmente não pude retornar em uma hora melhor para tentar mais alguns cliques. Alguém conhece? Família  Citrus sinensis ? Limão imperial? Limão imperial -------------- *Noni - Veja a post Noni neste mesmo blog. --------------- Obrigada, amigos. De acordo com a estatística do Blogger estamos com mais de 400 mil visualizações de páginas. Neste exato momento (18:38 h) está marcando 401.156 visualizações. Estamos felizes! Queremos dividir essa alegria com todos vocês que por aqui passam....

Via Verde: Flor-da-fortuna

Flor-da-fortuna A semana passada ganhei esse vaso de flores de minha filha. Poucas estavam desabrochadas. Alguns dias depois, quando tirei estas fotos, estavam assim: Flor-da-fortuna, calanchoe, kalanchoe dobrado ( Kalanchoe blossfeldiana ). Família das crassuláceas. Há uma boa variedade de cores. É uma planta suculenta originária da África, Madagascar. Pode atingir até 30 centímetros. Floresce durante quase todo o ano. ... Uma florida semana! .... ... ------------------------

Via Vida: Um Leque

Um leque. Uma moça com um leque. Uma moça, tatuada e com um leque. Uma moça, em um ônibus, tatuada e com um leque. Uma moça, em um ônibus, sentada em minha frente, com uma tatuagem e um leque. A moça do ônibus não sabe. Ela não sabe que seu leque passageiro trouxe lembranças de outros leques. Muitos leques. Estilos diferentes de leques. Orientais, nacionais, de tecidos, rendas e até em forma de abano, feito com palha de coco. Foi em setembro, naqueles dias de muito calor. Em setembro, uma moça, no ônibus, um leque balançava. O leque, acenando, ia e vinha. Cenas flutuavam no vai e vem do sopro do leque e lembranças evocavam. O sopro do leque se fez brisa e a brisa me levando me fez voar. Eu voando, no vai e vem do leque, vi. Eu vi! Vi minha mãe sentada com seu leque azul. Com seu leque rosa rendado. Com seu leque lilás. Com seu leque-abano, feito com palha de coco. Com seus muitos leques minha mãe se abanava e o sopro da brisa acariciava sua face suave. A moça d...