Dossiê Vozes da Terra: Esta crônica reflete sobre o impacto da urbanização acelerada no Cerrado e propõe um novo olhar sobre sustentabilidade nas cidades
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| Novos bairros de Goiânia e o peso do concreto |
O Balão Dirigível da Terra
Uma metáfora que escrevi em 2022 é, hoje, ainda mais urgente.
Entre o concreto e o calor, o planeta pede leveza. Goiânia é o ponto de partida desta reflexão sobre como habitamos o mundo.
Minha Goiânia ficou para trás. Não a reconheço mais. Uma muralha de concreto a encobre. Saí há quarenta anos e levo comigo a memória de uma cidade de casas, de terra, de raízes. O que vejo agora é uma cidade que quis alcançar o céu, mas que, no processo, se perdeu de si mesma.
A verticalização acelerada é um fenômeno global. E, em Goiânia, transforma o horizonte. O concreto substituiu o cerrado, o calor se multiplicou, e o solo impermeabilizado tornou-se símbolo de uma urbanização que ignora a natureza. Cada prédio ergue-se como um monumento à pressa e ao esquecimento.
Não é apenas nostalgia. É constatação.
Pesquisas da UFG* mostram que a temperatura média de Goiânia aumentou 2,3 °C nas últimas quatro décadas, enquanto o número de árvores urbanas diminuiu cerca de 40%. As chamadas ilhas de calor ampliam o desconforto térmico, elevam o consumo de energia e agravam a poluição atmosférica.
A cidade que nasceu planejada e verde tornou-se exemplo do que acontece quando o planejamento cede espaço ao mercado.
A crença de que a vida melhora quanto mais alto moramos revela uma lógica insustentável. O ar-condicionado, que tenta corrigir o calor que nós mesmos produzimos, consome energia e intensifica as emissões de gases de efeito estufa. O ciclo é perverso: quanto mais concreto, mais calor; quanto mais calor, mais energia; quanto mais energia, mais carbono.
Onde estão os ventos que refrescavam as varandas? O sol que iluminava naturalmente as casas? A água da chuva, antes coletada e devolvida à terra?
Substituímos isso por fachadas de vidro que refletem o calor e sistemas caros que tentam imitar o equilíbrio que abandonamos.
Como escrevi em abril de 2022, em meu blog Multivias, a Terra se parece com um balão dirigível:
“Acreditamos que podemos enchê-la de tudo: cacarecos, cimento, máquinas, urgências.
Mexemos em sua estrutura, trocamos peças originais por engenharias ‘modernas’, alteramos o gás que sustenta o voo…
Até que um dia o peso vence o ar.”
(Multivias - “Goiânia, além dos aparta-mentes”, 04/2022)
Hoje, essa imagem retorna com ainda mais força.
A Terra segue carregando nossos edifícios, nossos carros, nossos ruídos e nossa pressa.
Empilhamos progresso como quem guarda tralhas em uma casa antiga, certos de que sempre caberá mais um pouco, que haverá espaço, que nada irá ceder.
Mas todo balão tem limite. O ar tem limite.
A confiança também.
Há um ponto em que o peso supera a leveza,
e o ar rarefeito deixa de sustentar o voo.
Estamos próximos desse ponto. Ainda é tempo de aliviar a carga, reconhecer o essencial, olhar para o que sustenta e não apenas para o que eleva.
Ainda é tempo de notar que a Terra não precisa apenas subir. Ela precisa continuar respirando.
E nós com ela.
Um novo olhar sobre sustentabilidade nas cidades
Ainda assim, há caminhos. Arquitetos e engenheiros brasileiros vêm desenvolvendo projetos que unem técnica e bioclimatismo: construções com ventilação cruzada, telhados verdes, captação de águas pluviais, fachadas vivas, pavimentos permeáveis.
A sabedoria ancestral dos povos originários e quilombolas mostra que é possível morar com a natureza e não contra ela.
Goiânia, e tantas outras cidades médias brasileiras, podem se tornar laboratórios de um novo modelo urbano: mais humano, mais leve, mais verde.
O desafio é não deixar o balão estourar antes de aprendermos a pousar com cuidado.
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| O desafio das cidades que crescem para o alto e esquecem o chão |
Nota 2025:
Na COP30, o tema das cidades sustentáveis está entre os eixos principais. O modo como construímos e ocupamos o espaço urbano será decisivo para a neutralidade de carbono até 2050.
Que Goiânia e todas as cidades sejam exemplos de reconciliação entre arquitetura e planeta.
É possível morar com a natureza e não contra ela
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👉 Leia também: “Quando o calor altera o futuro”, sobre como o aquecimento global já transforma o equilíbrio das espécies e do planeta
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*Confira as referências no dossiê da página Vozes da Terra - Especial COP30.
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Leia o Manifesto Vozes da Terra à COP30 no dossiê Vozes da Terra👇🏼
🌿 Série Vozes da Terra – Blog Multivias | #COP30
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Leia o Manifesto Vozes da Terra à COP30 no dossiê Vozes da Terra👇🏼
🌿 Série Vozes da Terra – Blog Multivias | #COP30
Crônicas da Série Especial COP30 - Blog Multivias:
2- Macaúba, uma 🏝️ contra o aquecimento global
3- Quando o calor altera o futuro
5-Véspera da COP30: Um olhar do Cerrado
6-COP30: El Arcoíris de la Tierra
9-COP30: As mulheres e o trabalho invisível que sustenta o futuro
10-When Truth Comes from Nature
11-Cuando la Verdad Viene de la Naturaleza
12-Quando a Verdade Vem da Natureza
13-Mulheres, Biomas e o Tempo que Acabou de Acabar
14-COP30 en Belém: calor, bosques y la tierra que nos sostiene
15-COP30 (Parte 1): Calor, Florestas e a RAIZ do Problema
16-COP30 (Parte 2): O futuro começa com a verdade
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Comentários
Construir sem sufocar, crescer sem romper o equilíbrio natural: esse é o verdadeiro desafio do século. Que a leveza volte a caber no ar que respiramos.