O Balão Dirigível da Terra
Dossiê Vozes da Terra: Esta crônica reflete sobre o impacto da urbanização acelerada no Cerrado e propõe um novo olhar sobre sustentabilidade nas cidades
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| Novos bairros de Goiânia e o peso do concreto |
O Balão Dirigível da Terra
Goiânia e o desafio das cidades que crescem para o alto e esquecem o chão
Minha Goiânia ficou para trás. Não a reconheço mais. Uma muralha de concreto a encobre. Saí há quarenta anos e levo comigo a memória de uma cidade de casas, de terra, de raízes. O que vejo agora é uma cidade que quis alcançar o céu, mas que, no processo, se perdeu de si mesma.
A verticalização acelerada é um fenômeno global. E, em Goiânia, transforma o horizonte. O concreto substituiu o cerrado, o calor se multiplicou, e o solo impermeabilizado tornou-se símbolo de uma urbanização que ignora a natureza. Cada prédio ergue-se como um monumento à pressa e ao esquecimento.
Não é apenas nostalgia. É constatação.
Pesquisas da UFG* mostram que a temperatura média de Goiânia aumentou 2,3 °C nas últimas quatro décadas, enquanto o número de árvores urbanas diminuiu cerca de 40%. As chamadas ilhas de calor ampliam o desconforto térmico, elevam o consumo de energia e agravam a poluição atmosférica.
A cidade que nasceu planejada e verde tornou-se exemplo do que acontece quando o planejamento cede espaço ao mercado.
A crença de que a vida melhora quanto mais alto moramos revela uma lógica insustentável. O ar-condicionado, que tenta corrigir o calor que nós mesmos produzimos, consome energia e intensifica as emissões de gases de efeito estufa. O ciclo é perverso: quanto mais concreto, mais calor; quanto mais calor, mais energia; quanto mais energia, mais carbono.
Onde estão os ventos que refrescavam as varandas? O sol que iluminava naturalmente as casas? A água da chuva, antes coletada e devolvida à terra?
Substituímos isso por fachadas de vidro que refletem o calor e sistemas caros que tentam imitar o equilíbrio que abandonamos.
A Terra é como um balão dirigível – carrega o peso das nossas invenções até o limite de sua resistência. Podemos enchê-la de prédios, carros e consumo, mas há um ponto em que o ar rarefeito não sustenta mais o voo. Estamos próximos desse ponto.
Um novo olhar sobre sustentabilidade nas cidades
Ainda assim, há caminhos. Arquitetos e engenheiros brasileiros vêm desenvolvendo projetos que unem técnica e bioclimatismo: construções com ventilação cruzada, telhados verdes, captação de águas pluviais, fachadas vivas, pavimentos permeáveis.
A sabedoria ancestral dos povos originários e quilombolas mostra que é possível morar com a natureza e não contra ela.
Goiânia, e tantas outras cidades médias brasileiras, podem se tornar laboratórios de um novo modelo urbano: mais humano, mais leve, mais verde.
O desafio é não deixar o balão estourar antes de aprendermos a pousar com cuidado.
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| O desafio das cidades que crescem para o alto e esquecem o chão |
Nota 2025:
Na COP30, o tema das cidades sustentáveis está entre os eixos principais. O modo como construímos e ocupamos o espaço urbano será decisivo para a neutralidade de carbono até 2050.
Que Goiânia e todas as cidades sejam exemplos de reconciliação entre arquitetura e planeta.
É possível morar com a natureza e não contra ela
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👉 Leia também: “Quando o calor altera o futuro”, sobre como o aquecimento global já transforma o equilíbrio das espécies e do planeta
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* UFG (Universidade Federal de Goiás, 2024). Laboratório de Climatologia – Relatório sobre Ilhas de Calor em Goiânia.
** INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, 2023). Monitoramento do Clima Urbano e Cobertura Vegetal no Centro-Oeste.
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Mais referências no dossiê Vozes da Terra👇🏼
🌿 Série Vozes da Terra – Blog Multivias | #COP30





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