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| Fotos feitas nos meses secos de Brasília, entre 2013 e 2019. |
Durante a seca do cerrado, os ipês em Brasília transformam a paisagem urbana
Brasília e seus ipês.
Eles chegam como poesia em tempos de seca, quando a cidade parece cansada de céu azul e solo ressecado. O ar fica parado, a umidade quase evapora, mas os ipês florescem — e com eles, algo dentro da gente também se acende.
O brasiliense, acostumado a ver a vida passar entre quadras e eixos, esquece por instantes o nariz sangrando por causa do frio seco. Olha para cima. Admira os buquês que brotam como festa no alto das árvores. Primeiro o roxo. Depois o rosa. Logo vem o amarelo, sempre esperado. E, por fim, o branco — aquele branco tão branco que parece neve sonhada no cerrado.
É curioso como eles não florescem ao mesmo tempo. São como companhias teatrais, cada qual com seu tempo de cena. Um ipê se despede na W3 Sul, outro desperta timidamente em frente à Biblioteca Central da UnB. Um floresce perto do Hospital de Base, outro se ergue no Parque da Cidade. Uns começam a derramar suas flores, formando tapetes dourados, enquanto outros ainda preparam o espetáculo.
Gosto de caminhar com meu celular na mão, registrando essas pequenas belezas. Já fotografei ipês por toda parte. Alguns altos e antigos, outros jovens, audaciosos. Em uma das fotos, só percebi depois: havia um casal de namorados, sentados sob as flores, cada um com seu celular. Dei zoom. Achei romântico.
Há alguns anos, publiquei uma sequência de fotos no Instagram. Uma delas mostrava o ipê da Rodoviária do Plano Piloto. Outro exemplo de resistência. Cresceu. Continuou chamando atenção — mesmo entre ônibus, buzinas, pressa. Era impossível não notá-lo.
O mais bonito é que os ipês não se intimidam com os monumentos de Brasília. Passam por cima deles com suas flores. Domínio do olhar. Coragem de existir no tempo seco. Enquanto outras árvores apenas sobrevivem, os ipês florescem. Como pavões orgulhosos, exibem sua plumagem no meio do concreto.
E quando as flores caem, chegam as favas. Elas secam, abrem, e oferecem suas sementes. O cerrado faz o milagre da vida com pouca água e muito sol. Os ipês sabem disso. Nascem na estação mais seca. Riscam o céu de cor.
Não é à toa que essa cidade se enche de câmeras, celulares, hashtags. Eu mesma me vi catando flores caídas no chão, “desmilinguidas”, e colocando-as num copo com água. Elas voltaram à vida. Amei.
Brasília, entre junho e agosto, se veste de ipê.
E nós — vestidos por ela — aprendemos a ver o belo até na secura.
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