O Último Pé de Pequi?

Crônica do Dossiê Vozes da Terra: o pequi revela o impacto humano no Cerrado e a urgência de preservação.

Pequi do Cerrado, símbolo da biodiversidade brasileira

Em cada árvore nativa que cai, uma história desaparece 


O que último pé de pequi?

A resistência do Cerrado em meio ao avanço urbano e o esquecimento das raízes

Cada árvore nativa perdida representa a quebra de um equilíbrio que impacta diretamente o clima global.

Em 1996, conheci um pedaço de Cerrado que teimava em ser paraíso. Nos arredores de Brasília, um condomínio nascia com ruas largas e uma promessa de harmonia: a infraestrutura humana curvava-se à lógica das nascentes e da vegetação nativa.

Os lotes, ainda sem cercas, respiravam fundo. Ipês em todas as cores, caju-do-cerrado, barbatimão, lobeira, macaúba, quaresmeira e pequi. Muito pequi.

Fotografia: Luísa Nogueira
Flores e frutos em crescimento do pequizeiro 

Os primeiros moradores eram guardiões daquele mundo. Plantavam frutíferas, mas sabiam que a verdadeira riqueza já estava ali.


Fruto de pequi cortado mostrando a polpa amarela
Frutos do pequizeiro 

As casas cresceram, as cercas surgiram e a memória verde foi sendo apagada. Os novos moradores chegaram com outro desejo – não o de preservar, mas o de impor. Para muitos, o Cerrado ainda é “mato”. E o mato deve cair para dar lugar a jardins de revista, com espécies exóticas que não abrigam um único pássaro nativo.

Pouco a pouco, os pequizeiros foram desaparecendo.

Dias atrás, percorri boa parte do condomínio em busca de sobreviventes. Andei sob o sol que já não é filtrado pelas copas familiares. E então vi um pé de pequi, encurralado entre uma cerca e a calçada de uma casa. Será um dos últimos daquele lugar antes chamado de paraíso?

Como um velho combatente, ele resiste.

Árvore de pequi isolada em área urbana de Brasília
Pequizeiro encurralado entre uma
cerca e a calçada de uma casa. Foto
de 2011 para o blog Multivias 

Essa imagem me persegue.

E pergunto: você se lembra de como era a sua rua, o seu bairro, há dez ou quinze anos? Lembra das árvores que sumiram? O que estamos fazendo pelas que restam?

Essas perguntas ganham peso quando lembramos que o Cerrado, segundo o MapBiomas, perde em média 1 milhão de hectares de vegetação nativa por ano. O bioma é o berço das águas que alimentam oito das doze principais bacias hidrográficas do Brasil. Quando um pequizeiro cai, não é só uma árvore que desaparece – é uma nascente, um ciclo de vida, um pedaço da identidade brasileira.

É urgente reconectar as cidades à sua paisagem original. Plantar uma muda nativa não é gesto simbólico – é ato político, de resistência e cuidado.

Como construir sem destruir? Como manter as árvores nativas nas nossas ruas e quintais?

Mais do que respostas, precisamos de ação.

Antes que o último pequi caia e, com ele, nossa memória, nosso sabor, nosso Cerrado.


Fotografia: Luísa Nogueira
Polpa do pequi


Fotografia: Luísa Nogueira

O pequi, fruto e símbolo desse bioma, resiste entre cercas e calçadas.


—-


O Cerrado desaparece em silêncio: 1 milhão de hectares por ano. 

🌳 Que esta crônica ecoe como um convite à ação.


🌿 Série Vozes da Terra – Blog Multivias | #COP30

— —-

    Saiba mais sobre o Cerrado em: MapBiomas – Monitoramento da vegetação nativa do Cerrado (1985–2023)

——

#VozesDaTerra #CerradoVivo #PequiResiste #BlogMultivias #COP30




Postagens mais visitadas deste blog

Via Verde: As Três Cores do Flamboyant, a Musa das Árvores

Via Verde: Pequena, Vermelha e Adocicada: Que fruta é essa?

Via Verde: Jurubeba, a Delícia Amarga do Cerrado