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domingo, julho 27, 2025

Elas passaram florindo

 Elas floresceram. E depois partiram. 

Fotografia: Luísa Nogueira
As flores vão, mas continuam a tocar quem passa

Elas passaram florindo

Presenças que florescem e se transformam em caminhos

Há pessoas que passam pela vida da gente como flores dos ipês. Chegam sem alarde, mas, quando florescem, é impossível não notar. 

Têm cor, têm canto, têm riso fácil. 
Fazem do cotidiano um quintal cheio de histórias. 
Carregam a cultura de um lugar nos gestos, no sotaque, nos saberes. 
E, sem pedir licença, espalham alegria como se fosse semente ao vento. 

São aquelas pessoas que transformam o ar ao seu redor. 
Você sabe: onde elas estiveram, alguma coisa floresceu. 

Mas o tempo, que a tudo leva, também leva essas presenças. 
E quando elas partem — cedo ou tarde, como todas as flores — não se vão por completo. 
Porque certas pessoas, assim como os ipês, sabem deixar um tapete 

Um tapete de lembranças. 
De risos soltos no meio da rua. 
De receitas sem medida. 
De palavras que viraram consolo. 
De ensinamentos que agora cabem em nós. 

São essas flores que caem e se transformam em chão fértil para outras caminhadas. 
Que nos convidam a continuar, mesmo na ausência. 
Que deixam a paisagem mais bonita, mesmo quando já se foram. 

Hoje, ao ver o ipê da esquina quase sem flor, lembrei de gente que partiu. 
Mas também me lembrei da alegria que ficou. 
Do conhecimento compartilhado. 
Dos versos deixados nas entrelinhas da vida. 

As flores vão. 
Mas continuam a tocar quem passa. 
Do mesmo modo, há pessoas que — mesmo ausentes — seguem florindo em nós. 

Fotografia: Luísa Nogueira
As flores vão, mas continuam a tocar quem passa

Fotografia: Fotos clicadas há alguns anos nas entrequadras de Brasília.

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No Centro-Oeste, estamos nos meses quentes e com baixa umidade. É justamente nesses meses que a beleza dos ipês aparece. Se você também ama e admira a resistência dessas árvores, veja crônicas e até um conto que escrevi sobre os ipês - ou relacionados a eles. Em muitos deles talvez você se lembre das fotos que publiquei neste blog e/ou nas redes sociais, principalmente no Instagram. Confira:



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segunda-feira, julho 21, 2025

Conto ‘Cobra Coral’: tragédia familiar no sertão em tempos de seca


A literatura, muitas vezes, nasce da memória.
 “Cobra-coral” é um conto breve, inspirado num 
episódio real, sobre os riscos escondidos no cotidiano.


Conto de Luísa Nogueira
“Cobra-coral" é uma história singela e dolorosa e o
amor que une uma família em tempos difíceis.

  
 
Cobra coral

Conto sobre tragédia familiar e vida no sertão 


Era uma manhã de agosto. O sol amanheceu ardendo em labaredas, no azul tímido do céu, parecendo tingido com grossos rabiscos de corante de urucum. Galhos secos se retorciam no desespero de mais um dia sem chuva. Dona Zefa, acalorada ao pé do fogão, fervia água pro café da manhã e esquentava umas migalhas do pão de anteontem, atenta às vozes vindas da sala. O choramingar da pequena Lara, de sete meses, era acalentado por Dara, de seis anos. Seu João mexia no rádio. Sintonizava aqui e ali, mas a notícia sobre as queimadas de ontem vinha entrecortada por ruídos. Damião, de nove anos, arrumava seu caderno e um livro com meia capa — o que Dona Zefa conseguiu no monte de livros velhos deixados na escola por outras mães.

— João, vem com os minino. O café tá pronto. Dara, põe Lara na esteira e vem, fia.

Dara acomodou a irmã numa colcha antiga que, de tão lavada, já tinha muitos remendos. Remendos costurados por dona Antônia, irmã mais velha de dona Zefa. A colcha ficava por cima da esteira de palha de milho, perto da porta de entrada da casa. O lugar foi escolhido pra Lara receber um pouco de ar em meio ao calorão do dia.

Dona Zefa engoliu o café e correu até Lara, que continuava choramingando. Pegou a pequena nos braços, sentou-se numa cadeira e abriu a blusa pra dar ao bebê o leite que ainda saía de seu peito mirrado.

Pouco depois, Damião levou Dara até a escolinha ali perto e seguiu pra sua escola. Estava no terceiro ano. Um pouco atrasado, mas com notas melhores do que os filhos da Candinha, moradora nova da rua onde viviam.

Dona Zefa ajeitou Lara de novo. Sentiu algo debaixo da colcha, apalpou e tirou um brinquedo esquecido entre a esteira e o pano. Sempre ensinava Dara a olhar a esteira antes de deitar a irmã. “Coitada da minha filha, tão pequena e já cuidando da irmã”, pensou, indo pegar uns retalhos no quarto dos meninos. Separou, pegou a tesoura e, sentada no chão, recortou os tecidos, fazendo da cama uma mesa improvisada. Ia costurar um vestidinho pra Dara.

Pensou em ir pra sala, alinhavar o vestido enquanto vigiava Lara. Mas o cansaço da manhã, e as muitas preocupações de um mês difícil, esmagavam seu corpo já fragilizado. Sentia tonturas e uns tremores que vinham de vez em quando. “Tá tudo calmo, Lara dorme... já, já me levanto.”

Dormiu ali mesmo. Acordou assustada.

“Nunca cochilei de dia... Santo Deus!”

Levantou-se num pulo, correu até a filha como se pressentisse algo. Pegou Lara nos braços — a menina estava roxa, com dois furinhos acima dos lábios. Gritou. E não viu mais nada.

Damião chegou com Dara. Encontrou o pai agachado ao lado do corpo da mãe. E a mãe, com Lara ainda nos braços.

— Pai!?

A mãe também tinha os dois furos. Na perna direita.

A casa, que vivia dos cuidados, choros e risos de crianças, nunca mais seria a mesma.

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Notas: 1- História fictícia, baseada em um fato real. 
Conto a partir de uma lembrança de quando eu, criança, morava numa cidade entre dois grandes rios do norte de Goiás, hoje Tocantins.
2- Ilustração feita através do Canva - design.

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#vida no sertão
#crônica sobre queimadas 
#narrativa sobre pobreza no Brasil
#lembranças da infância
#literatura brasileira contemporânea
#contos sobre a seca

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quinta-feira, junho 19, 2025

A voz que trocou de roupa



Em abril de 2022, no final do post "Goiânia, além dos aparta-mentes", deixei alguns fragmentos de textos. Textos que escrevia enquanto "passeava" em consultórios médicos. Em um deles, a lembrança viva de meu pai me fez pensar em quantas histórias cabem numa xícara de café. Nasceu assim a crônica 

  A voz que trocou de roupa

Uma crônica sobre memórias, mudanças e o Brasil que (nem sempre) acolhe seus intelectuais

Foi num hotel em Goiânia que percebi, sem aviso, o tanto de história que me atravessa. Histórias que não conto, mas que se escondem nas entrelinhas do que sou — que aparecem quando o cheiro do café lembra a infância, ou quando um silêncio diz mais do que uma frase bem escrita.

O salão do café da manhã tinha luz amarelada, e um ventilador de teto girava com esforço, como se quisesse permanecer ali apenas por cortesia. Os donos do hotel vieram conversar conosco. Um casal  gentil e acolhedor. Disseram que haviam sido jornalistas. Trabalharam durante anos em redações, de dia e de noite, narrando um país sempre em sobressalto. Um dia, decidiram parar. Abriram um restaurante. Depois, outro. E, com o tempo, compraram aquele hotel — que cheirava a pão de queijo e saudade.

Enquanto falavam, a imagem do meu pai foi surgindo como fotografia revelada em laboratório: primeiro borrada, depois nítida. Ele também fora jornalista. Um homem de pensamento crítico, voz pausada e frases que deixavam rastro — dessas que a gente guarda e só entende de verdade muitos anos depois. Tinha uma sabedoria sem pressa. Um intelectual brasileiro daqueles que acreditaram, por um tempo, que a palavra podia transformar o mundo. Mas o mundo, por vezes, transforma a palavra em silêncio. 

Às vezes, a palavra precisa se esconder para que a vida aconteça

Como tantos, ele percebeu que a sobrevivência exigia uma escolha. E ele escolheu. Foi assim que ele prestou concurso público. Tornou-se funcionário administrativo. Guardou o ofício antigo como quem dobra uma camisa favorita e a deixa no fundo da gaveta: não por desamor, mas por necessidade. Ainda lia os jornais, ainda escrevia, mas com menos alarde. Sua voz trocou de roupa, sem nunca se calar.

Naquela manhã, enquanto mexia o café um tanto forte demais, a televisão exibia um telejornal de vozes exaltadas e urgências fabricadas. Ao redor, a vida real: uma senhora passava manteiga no pão com movimentos de quem repete um ritual antigo; uma criança empurrava uma cadeira com o barulho típico da infância. E os donos do hotel riam com os hóspedes, leves, como se tivessem enfim encontrado um ponto de repouso.

Talvez meu pai tivesse feito o mesmo. Talvez fosse ele quem me ofereceria o café, com aquela cara de quem já sabia que eu ia preferir sem açúcar. Ou talvez, como sempre, colocasse mesmo assim — insistente no afeto.

Nem toda despedida é barulhenta. Algumas moram no fundo da gaveta

O pão de queijo tinha o sabor das manhãs de casa. E o café, aquele gosto de coisa antiga que a gente não esquece. E a imagem dele, dobrando o jornal com precisão, agora parecia uma despedida suave. Um gesto de silêncio — desses que só se entende depois.

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terça-feira, junho 17, 2025

As flores voltaram e ela também

Uma crônica sobre pausas, delicadezas e recomeços.

Fotografia: Luísa Nogueira
As flores recolhidas do chão voltaram à vida 

Às vezes, tudo o que precisamos é de um copo d’água, 

algumas flores caídas… e uma pausa para voltar a nós mesmos.

As flores voltaram - ela também

Um gesto simples. Um copo com água.
Duas flores

Ela recolheu as flores como quem recolhe lembranças.
Era fim de tarde e a cidade, entre poeira e silêncio, se preparava para mais uma noite seca.

Passou embaixo de um ipê amarelo, um dos últimos da temporada.
No chão, um amontoado de pétalas. Muitas já murchas, outras desbotadas.

Pensou em passar direto — “são só flores”, disse, quase alto.
Mas seus pés pararam.
E suas mãos, delicadamente, escolheram duas entre tantas.

Levou-as para casa sem saber por quê.
Pegou um copo — um daqueles simples, de vidro fosco — encheu de água e mergulhou as flores como se estivesse pedindo desculpas pelo atraso.

Deixou o copo na mesa. Foi fazer outra coisa.
Esqueceu.

Na manhã seguinte, algo mudou.
As flores estavam mais abertas.
Não era uma mudança gritante — era como se, discretamente, tivessem voltado à vida.

Ela se aproximou, surpresa.
Havia cor.
Havia forma.
Havia, estranhamente, uma espécie de presença.

Naquele instante, lembrou-se da amiga que não via há anos.
Do amigo que partiu sem aviso.
Das palavras que nunca disse.
E também de tudo que deixara murchar dentro de si — promessas, alegrias, desejos.
Pensou: Será que também posso voltar?

Pegou um segundo copo.
Encheu de água.
E, sem pressa, sentou-se à mesa.
Pela primeira vez em muito tempo, quis cuidar de alguma coisa — mesmo que fosse dela mesma.

Não sabia se aquele gesto era rotina ou ritual.
Mas havia, em tudo, uma intenção silenciosa.

O segundo copo não era para outra flor.
Era para si.
Como se, ao lado da delicadeza salva, ela também precisasse de uma nova chance.

Observou as flores — frágeis, sim, mas ainda inteiras.
E se deu conta de que estava fazendo algo simples, mas raro: estava cuidando.
Sem pressa, sem função prática, sem expectativa.

Quis permanecer ali.
Apoiou os cotovelos na madeira, sentiu o frescor da água nas mãos, o tempo correndo devagar ao seu redor.
Por dentro, alguma coisa também se aquietava.

Era como se dissesse a si mesma:
"Eu estou aqui."
E isso bastava.

Ali, no silêncio da manhã, entre um copo e outro, entre uma flor e outra, ela entendeu:
às vezes a vida não precisa de muito para florescer de novo.
Só precisa de um pouco de tempo.
E um lugar para recomeçar.

Mais tarde, ao sair de casa, passou novamente pelo ipê. As flores que ontem haviam caído já não estavam lá. Outras, mais recentes, agora começavam seu voo em queda.

Ela pensou em parar — talvez recolher mais algumas. Mas não. Dessa vez, apenas olhou.
E seguiu adiante, com algo leve entre as mãos.

Talvez fosse o vento.
Talvez fosse ela mesma, começando a florescer de novo.

Fotografia: Luísa Nogueira
"As flores que ontem haviam caído já não estavam
 lá. Outras, mais recentes, agora começavam
seu voo em queda." (Do conto As flores voltaram e ela também,
de Luísa Nogueira)


Fotografia: Luísa Nogueira
"Na manhã seguinte, algo mudou.
As flores estavam mais abertas.
Não era uma mudança gritante — era como se,
discretamente, tivessem voltado à vida."
(
Do conto As flores voltaram e
ela também)



Fotos de Luísa Nogueira
"Passou embaixo de um ipê amarelo, um dos últimos
da temporada. 
No chão, um amontoado de pétalas.
Muitas já murchas, outras desbotadas."
(
Do conto As flores voltaram e ela também)

Fotografia: Luísa Nogueira - fotos publicadas em 2017. 

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