Postagens

Elas passaram florindo

Imagem
  Elas floresceram. E depois partiram.   As flores vão, mas continuam a tocar quem passa Elas passaram florindo Presenças que florescem e se transformam em caminhos Há pessoas que passam pela vida da gente como flores dos ipês.   Chegam sem alarde, mas, quando florescem, é impossível não notar.   Têm cor, têm canto, têm riso fácil.   Fazem do cotidiano um quintal cheio de histórias.   Carregam a cultura de um lugar nos gestos, no sotaque, nos saberes.   E, sem pedir licença, espalham alegria como se fosse semente ao vento.   São aquelas pessoas que transformam o ar ao seu redor.   Você sabe: onde elas estiveram, alguma coisa floresceu.   Mas o tempo, que a tudo leva, também leva essas presenças.   E quando elas partem, cedo ou tarde, como todas as flores, não se vão por completo.   Porque certas pessoas, assim como os ipês, sabem deixar um tapete   Um tapete de lembranças.   De risos soltos no meio da rua. ...

Conto ‘Cobra Coral’: tragédia familiar no sertão em tempos de seca

Imagem
A literatura, muitas vezes, nasce da memória.  “Cobra-coral” é um conto breve, inspirado num  episódio real, sobre os riscos escondidos no cotidiano. “Cobra-coral" é uma história singela e dolorosa e o amor que une uma família em tempos difíceis.       Cobra coral Conto sobre tragédia familiar e vida no sertão   Era uma manhã de agosto. O sol amanheceu ardendo em labaredas, no azul tímido do céu, parecendo tingido com grossos rabiscos de corante de urucum. Galhos secos se retorciam no desespero de mais um dia sem chuva. Dona Zefa, acalorada ao pé do fogão, fervia água pro café da manhã e esquentava umas migalhas do pão de anteontem, atenta às vozes vindas da sala. O choramingar da pequena Lara, de sete meses, era acalentado por Dara, de seis anos. Seu João mexia no rádio. Sintonizava aqui e ali, mas a notícia sobre as queimadas de ontem vinha entrecortada por ruídos. Damião, de nove anos, arrumava seu caderno e um livro com meia capa - o que Dona Zefa cons...

A voz que trocou de roupa

Imagem
Em abril de 2022, no final do post " Goiânia, além dos aparta-mentes ", deixei alguns fragmentos de textos. Textos que escrevia enquanto "passeava" em consultórios médicos. Em um deles, a lembrança viva de meu pai me fez pensar em quantas histórias cabem numa xícara de café. Nasceu assim a crônica    A voz que trocou de roupa Uma crônica sobre memórias, mudanças e o Brasil que (nem sempre) acolhe seus intelectuais Foi num hotel em Goiânia que percebi, sem aviso, o tanto de história que me atravessa. Histórias que não conto, mas que se escondem nas entrelinhas do que sou - que aparecem quando o cheiro do café lembra a infância, ou quando um silêncio diz mais do que uma frase bem escrita. O salão do café da manhã tinha luz amarelada, e um ventilador de teto girava com esforço, como se quisesse permanecer ali apenas por cortesia. Os donos do hotel vieram conversar conosco. Um casal  gentil e acolhedor. Disseram que haviam sido jornalistas. Trabalharam durante anos em ...

As flores voltaram e ela também

Imagem
Uma crônica sobre pausas, delicadezas e recomeços. As flores recolhidas do chão voltaram à vida  Às vezes, tudo o que precisamos é de um copo d’água,  algumas flores caídas… e uma pausa para voltar a nós mesmos. As flores voltaram - ela também Um gesto simples. Um copo com água. Duas flores Ela recolheu as flores como quem recolhe lembranças. Era fim de tarde e a cidade, entre poeira e silêncio, se preparava para mais uma noite seca. Passou embaixo de um ipê amarelo, um dos últimos da temporada. No chão, um amontoado de pétalas. Muitas já murchas, outras desbotadas. Pensou em passar direto -  “são só flores” , disse, quase alto. Mas seus pés pararam. E suas mãos, delicadamente, escolheram duas entre tantas. Levou-as para casa sem saber por quê. Pegou um copo - um daqueles simples, de vidro fosco - encheu de água e mergulhou as flores como se estivesse pedindo desculpas pelo atraso. Deixou o copo na mesa. Foi fazer outra coisa. Esqueceu. Na manhã seguinte, algo...