Lydia, a irmã caçula
Minha mãe era a caçula de oito irmãos. Cinco mulheres e três homens. Havia uma diferença de dezesseis anos entre ela e sua irmã mais velha, nossa amada tia Emília, carinhosamente chamada de tia Miluca.
Olhando assim, percebemos que ela foi tia ainda criança. Segundo ela mesma, seus sobrinhos foram seus irmãos mais novos, ajudando a cuidar de muitos deles.
Era com eles que brincava, se divertia e, quando já mocinha, ia para as festas. Festas nas casas de amigos e vizinhos, nas cidades circunvizinhas e nas fazendas. Como dizia, em seu tempo tudo era motivo para festa, tudo virava "uma festa", até mesmo as alegres cantigas das brincadeiras de roda.
No seu tempo de criança, a meninada corria brincando nas calçadas de suas casas. E sempre em grupos. Hoje é através do computador, da televisão e dos jogos eletrônicos que a criança se diverte. Sabemos que esse 'se diverte' é bem relativo; na verdade a criança do mundo contemporâneo se isola mais do que brinca.
Minha mãe e sua irmã mais velha, nossa querida Tia Miluca
De nossos tios, irmãos de minha mãe, tivemos pouco contato. Tia Miluca foi uma exceção. Como seus filhos já eram maiores, podia ir, de vez em quando, nos visitar. Morávamos em uma outra cidade, Pedro Afonso, norte do estado de Goiás, hoje pertencente ao Tocantins. Outra cidade, outro estado, e ainda tendo como meio de transporte apenas uma opção, via fluvial, através de barcos no Rio Tocantins.
Tudo isso não era empecilho para ela sair do conforto de sua casa, enfrentar barcos ou barcas nem sempre confortáveis e seguros, só para ir ver como estava sua irmã caçula. Queria lhe ajudar, não apenas através da companhia e da amizade de uma irmã, mas também com a educação de seus sobrinhos. Passava uma ou duas semanas conosco, para nossa alegria. Foi para nós como uma segunda mãe. Quando ia embora algo ficava nos faltando, com certeza seu carinho, sua atenção e suas histórias. Suas histórias... eram tantas! Todos os dias, ao anoitecer, nos reuníamos na porta de casa, sentados ao seu redor, ansiosos para ouvir mais uma joia tirada de sua memória. Ainda me lembro dela me dizendo:
-"Ai! Seu cotovelo é muito fino. Está me furando."
Era eu que sentava mais próximo dela. Encantada pela história e embalada por sua voz, não percebia que pouco a pouco apoiava minha cabeça em uma das mãos e... tum! Mais um cotovelo fino em seu colo, coitada.
Tia Miluca era um livro sonoro. Livro sonoro? Não, não, eram tantas e tantas histórias e estórias que não caberiam em um só livro. Ela era na verdade uma biblioteca, uma verdadeira biblioteca sonora.
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Nossa saudosa Tia Miluca fazendo croché.
Tia Miluca tinha seus momentos "mágicos". Uma vez fiz uma foto dela assim, num desses momentos que só a fotografia sabe eternizar. Observando suas mãos e seu semblante calmo, parecendo estar num mundo totalmente seu, distante de tudo, percebemos que ela se encontra em um momento de entrega total à sua arte. Essa conexão com nosso eu interior é talvez uma concessão de Deus a todos, porém os que amam o que fazem, ultrapassando a si mesmos, indo além do imaginário, é que conseguem entrar nessa sintonia com o Universo. Fiz esse clic em Goiânia, em nossa casa, nos anos 70. Ela me deu essa colcha branca. Guardo-a com todo carinho. Só a uso em momentos muito especiais. Aliás, ela deu uma colcha de croché para todas suas sobrinhas. Tenho duas feitas por suas mãos. Fez várias para sua filha, nossa querida prima Alba.
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Uma artista
Foi também com ela que aprendi trabalhos manuais. Era, como se dizia, "uma crocheteira de mão cheia". Nunca vi peças em croché tão bem feitas como as que ela fazia. Trabalho minucioso, todos os pontos do mesmo tamanho, cronometrados pela habilidade e talento de suas mãos. Uma artista!
Duas irmãs, duas vidas, duas histórias diferentes mas com um ponto em comum: o amor pela família.
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